Pessoas e ubunteiros do Viva o
Linux, aqui começa mais um Artigo do Dino® trazendo para todos vocês alegria, conhecimento e informação temperadas com a dose certa de ironia, sarcasmo e mau humor suficientes para fazer Gregory House, MD, sentir-se em casa. Há algum tempo atrás eu escrevi um artigo que ficou famoso, o Guia pós-instalação do
Slackware:
Com quase 40k acessos, ele meio que se tornou uma referência aqui no site para os usuários da mais antiga e mais Unix-like distro ainda em atividade, mas não foi o suficiente. Mais recentemente publiquei algumas dicas e artigos atualizando sessões do Guia, e está na hora de consolidar todas essas novas informações em um novo, mais atualizado e mais danificado documento.
Antes, porém, quero convidá-los a uma reflexão. O Slackware tem 23 anos de idade, é a distro mais antiga da atualidade e se manteve fiel aos seus princípios e fundamentos enquanto mandava uma banana para essa perversa mania humana de mudar apenas pelo mudar. Várias distros tão tradicionais quanto o Slack sucumbiram a essa onda, e mesmo onde elas eram fortes se tornaram fracas: o
Debian se tornou menos estável, o instalador do
openSUSE menos confiável,
Fedora se tornou um campo de testes para novidades e o
Ubuntu, um campo para desenvolvimento de bugs. O trabalho de Patrick Volkerding, aka O Cara, permanece intocado por essa praga do mudar pelo mudar, e por isso é ainda a referência quando o assunto é estabilidade, confiabilidade e segurança.
Tudo isso dito, é inevitável que o usuário mais jovem, que não esteve envolvido com os primórdios da coisa, se pergunte, "Ah, mas o Slackware é tão antigo, e se ele resiste às automações que tornam as outras distros tão agradáveis de usar... por que eu deveria instalar essa peça de museu no meu computador?" Verdade seja dita, o Slackware não tem nenhuma das perfumarias das outras distros. Não possui um instalador gráfico, a maior parte das configurações é feita por edição de arquivos de configuração e certamente a maior queixa das crianças mal-acostumadas por outras distros - a ausência de um sistema de resolução automática de dependências - continua muito verdadeira. Então, a pergunta que o júnior aí colocou é mais do que válida: por que usar o Slackware?
O grande charme do Slackware nem é sua estabilidade, atributo lendário da distribuição e cada vez mais insuperável. O grande charme dela é a constância: em meu 486 ainda vivo e que até o meio do ano rodava o Slack 8.1 e em meu Dell Inspiron Core i3@2,70GHz rodando o Slack 14.1 as coisas são feitas do mesmo jeito, os arquivos ficam nos mesmos lugares, a documentação continua sempre um primor de completude. Não há a necessidade de reaprender como usar a distro só porque um empresário quebrador de sistemas operacionais e metido a astronauta decidiu mudar a bagaça até as entranhas, por exemplo. Pegue um tiozão que usou o Slack 3.0 lá atrás em 1996 e coloque-o de repente no Slack Current e ele vai saber exatamente o que fazer para administrar a máquina.
A estabilidade do Slackware é o segundo grande fator para usá-lo como sistema principal em notebook e desktop. Eu já vi distros quebrarem com coisas triviais: Ubuntu quebrando após um "apt-get upgrade", Fedora quebrando após um "dnf upgrade", openSUSE quebrando após algumas experiências minhas que culminaram em um downgrade do Leap 42.1 para o Tumbleweed (OK, o openSUSE é quase tão estável quanto o Slackware e eu admito isso), Debian quebrando no systemd ou no GRUB... Nunca vi um Slackware quebrar que não fosse por experimentalismo extremo do usuário. Na verdade, em minha experiência nunca vi nada quebrar o Slackware exceto kernel mal compilado (kernel panic é sinistro sempre). Quer rodar um sistema que aguenta coisas extremas e não tem paciência para montar um
Funtoo no pico das galáxias? O Slackware faz isso sem a necessidade de trabalho adicional. Quer um servidor que uma vez configurado você não vai precisar se preocupar com ele? O Slackware faz isso de boa. Quer uma distro com um end of life tão assustador quanto o do
CentOS? O Slackware, que dá suporte entre sete e dez anos para cada versão - na verdade, desde o 13.0 (lançado em 2009) não existe anúncio de EOL para a distro!
A simplicidade da distro é também sua marca registrada. Não existe no Slackware algo complicado se ele não precisar necessariamente ser complicado. Por exemplo, a maioria das distros usa um instalador gráfico bonitinho e normalmente bugado (como o do Fedora e do openSUSE). Já o Slackware usa o mesmo shell script de instalação, com apenas algumas modificações, desde 1993! Todas as ferramentas da distro visam a não-introdução de camadas desnecessárias: se editar um arquivo de configuração resolve a questão, então a GUI de configuração é desnecessária. Isso aumenta o desempenho geral do sistema e de brinde não ofende a inteligência do usuário.
E esse ponto de ofender a inteligência do usuário é crucial. Muitas distros não permitem que o usuário faça o que quiser no computador. Algumas GUIs de configuração ocultam as opções menos comuns, e não costumam ser tão bem documentadas quanto uma manpage. Quando colocamos o assunto da resolução automática de dependências é que a guerra fica mais acirrada: por que quando eu removo o Evince de uma instalação Debian, por exemplo, eu sou obrigado a desinstalar até o systemd? Por que se eu tento tirar o PulseAudio na maioria das distros eu levo tanto o
KDE quanto o
GNOME juntos? Se eu quero instalar o Okular no GNOME, eu não deveria precisar instalar todo o KDE junto, deveria? Esses e outros exemplos são apenas pequenas amostras de como um resolvedor automático de dependências é uma ofensa séria à inteligência do usuário. E no Slackware não tem isso: eu instalo ou removo apenas as dependências que eu julgar necessárias para o meu uso.
E por fim o ponto mais polêmico: a melhor razão para usar o Slackware é porque ele não tem GNOME como uma opção nativa de ambiente de área de trabalho. O filho do demônio com Miguel de Icaza será o responsável por tornar o mundo
GNU/Linux em um Windows: pesado, bugado, mal documentado e não personalizável sem o uso de pajelanças homéricas na linha de comando. Fora o fato que empacotar o GNOME é revolver em um mar de dependências cruzadas absurdas e sem sentido. Para piorar, quando o systemd se tornou dependência do GNOME como um todo sinalizou-se para toda a comunidade o desprezo total que os desenvolvedores desse ambiente de área de trabalho nutrem por seus usuários, visto que ainda está para nascer um programa tão incompletamente documentado, tão bugado e com um suporte pelo desenvolvedor tão mal prestado quanto o systemd. Que Lennard Poettering se engasgue com um dos milhares de bugs documentados mas que ele se recusa sequer a admitir que existem.