A tradução de softwares é uma atividade interessante e que pode ser feita por qualquer um com um pouco de conhecimento de outros idiomas. Mas além disso, algumas regras são importantes nesta área. Veja aqui como traduzir softwares com qualidade.
O ponto de partida: diferenças entre tradução de software e documentação
A principal diferença entre a tradução de um software e a tradução de documentação é a linguagem usada. Em um software, comandos, menus, telas e janelas são traduzidos de uma forma linear, sem a facilidade da dissertação encontrada na documentação. Assim, quando traduzimos um software devemos levar em conta a mensagem passada de determinado comando ou opção para o usuário, de forma rápida e clara. Como exemplo, não é possível traduzir um comando de impressão (Print - Imprimir) para "Clique aqui para imprimir". A mensagem deve ser curta (inclusive para que possa ser colocada corretamente no espaço destinado à mesma no software) e de fácil entendimento.
Isso não acontece na tradução de documentação, que pode (e deve) ser dissertativa. Utilizando o exemplo anterior, poderia ser usada uma frase como "para imprimir seu documento é necessário clicar na opção Imprimir do menu Arquivo". Na documentação podemos liberar a tradução para criarmos efetivamente uma nova versão do documento em outro idioma. Este ponto é muito importante e deve sempre ser levando em conta pois a intenção não é fazer uma tradução literal do texto original, mas sim uma versão que possa ser compreendida com facilidade pelos falantes do idioma de destino e que leva em conta todas as nuances da língua, seja falada ou escrita.
O que traduzir
Não temos conhecimento de tudo e não é este o mote de nossas vidas. Assim fazer uma tradução de um texto de física sendo você professor de música, torna-se algo extremamente difícil, cansativo e na maioria das vezes com um resultado pobre. Este comentário serve para aqueles que desejam por exemplo traduzir um game mas não estão familiarizados com esta área. Existem verbetes, termos, gírias e expressões que são somente usadas dentro deste universo e que podem se tornar verdadeiras "pegadinhas" para o tradutor.
Então, se pretende traduzir um software ou uma documentação, procure aquela com que está familiarizado com os termos existentes. Muitas traduções tornam-se verdadeiras obras hilárias por serem traduzidas sem este devido cuidado. Se você não está a par da área de medicina, não tente traduzir um software relacionado com ela. Da mesma forma, se você não conhece de radioamadorismo, deixe que um radioamador faça a tradução. Certamente o entendimento de QRU, QRZ, QTC, RTTY e outras coisas se tornarão muito mais fáceis e estarão perfeitamente inseridas no contexto do software e da documentação.
O que se traduz? Tudo?
Outra situação digna de riso é a tradução de palavras e expressões que não existem no idioma de destino ou que mesmo existindo, não são usadas dentro de determinado contexto. Um exemplo é a tradução da palavra "mouse" para "dispositivo apontador" ou ainda a tradução de "web" para "teia" (pior ainda é "site" para "sítio"). Não existe, para nosso idioma, maior sacrilégio que abrir um software e dentro dele encontrarmos palavras como estas. Além de estarem fora daquilo que é convencionado, conseguem deixar o usuário na dúvida sobre a utilização do comando.
O Português do Brasil (ou o Português Brasileiro, como queira) possui características interessantes que fazem dele um idioma extremamente bonito e diversificado. A capacidade de mesclagem de termos, palavras e expressões de outros idiomas, bem como a criação constante de novos verbetes pela população falante são comuns e extremamente importantes. Ao contrário de nossos colegas de língua lusos, abraçamos comumente palavras estrangeiras e criamos novas, sejam derivadas destas ou não. Quem nunca ouviu um "deletar" dentro de um escritório? Além de absorvermos o verbo "delete" da língua inglesa, mantivemos todas as suas formas. Eu deleto, tu deletas, ele deleta... Claro que não devemos levar ao extremo esta qualidade. "Printar" não é aceito nem mesmo pelos mais incultos ou ignorantes nas ciências computacionais; o correto é "Imprimir".
A melhor dica para não cometer estes deslizes é criar uma lista de palavras que não devem ser traduzidas, ou seja, um mini-dicionário pessoal que pode ser consultado sempre que aparecer um "hard disk" (traduzível para disco rígido), um mouse (não traduzível) ou ainda um preview (pode ser traduzido ou não).
E na documentação? Tudo é traduzido?
Depende. A documentação permite algo que não é possível (somente em raros casos) nos softwares: a adaptação da linguagem original de tal forma que seja criado um contexto correto no idioma de destino. Explico: a frase "show me the code" pode ser traduzida de duas formas: "me mostre o código" ou ainda "mostre-me seu código". Qual está correta? Depende do contexto onde a frase está sendo usada. Se existe um sujeito na oração, a contundência do "mostre-me seu código" é melhor empregada que "me mostre o código".
Outro ponto que sempre cria frases sem nexo é a forma de criação das orações em inglês. Um exemplo típico é este: "It's probably localized into your native language, too". Se esta frase for traduzida literalmente, fica: "Ele provavelmente está localizado em sua língua nativa também". Mas e que tal assim: "Ele também deve estar traduzido para seu idioma nativo". Qual a diferença? Ambas não estão corretas? Sim, estão, mas o segundo exemplo possui uma melhor "estética" na leitura.
A documentação então não é somente uma tradução das palavras e frases, mas sim um verdadeiro trabalho de adaptação do conhecimento que ali está expressado em forma de palavras para um novo idioma. Mas tome cuidado. Muitas vezes pode-se perder o contexto do que se deseja informar se esta adaptação for muito profunda. O ponto exato que separa a boa frase daquela sem nexo somente é descoberto com a prática da tradução e diversas leituras daquilo que está sendo traduzido.
Valores e siglas são traduzidos?
Muito raramente. Valores devem ser convertidos para a moeda local usando parênteses: O software irá custar US$ 1 milhão (R$ 1.93 milhões). Da mesma forma siglas e acrônimos não devem ser traduzidos, mas sim explicados: "a linguagem XML (Extended Markup Language - Linguagem de Marcação Estendida) é usada para a troca de informações".
Entretanto existem alguns casos onde a tradução é permitida, como por exemplo, siglas usadas para denominar cidades ou estados (principalmente americanos). "O game foi criado em LA", fica: "O game foi criado em Los Angeles" (observe que game continuar no idioma nativo). O mesmo pode ser usado em NYC (cidade de Nova York) ou ainda suprimidas como em Washington D.C. (cidade de Washington).
Casos estranhos
Anteriormente comentei sobre NYC - cidade de Nova York e grafei o nome da cidade parte traduzida, parte não. Este é um típico caso onde o bom senso prevalece e ambas as grafias estão corretas. Se você escrever em um documento oficial Nova Iorque, estará correto. Entretanto se escrever Nova York, também é aceito na maioria dos documentos. O mesmo acontece com Washington onde o D.C. (que indica a capital federal e não o estado de Washington) foi suprimido. Entretanto se estiver traduzindo um texto onde o estado é citado, é obrigatória a especificação do "estado de Washington". Washington somente, para nós, é a capital dos Estados Unidos.
Expressões regionais, gírias ou formas locais do idioma
"He Passed away" - Ele não passou para lugar nenhum, ele faleceu!
Tome cuidado com expressões que não conhece o contexto. Muitas vezes elas podem descaracterizar qualquer tradução. Outro exemplo? "You are fired!" - A pessoa não foi queimada ou levou um tiro, ela foi demitida do emprego.
Mantenha sempre um contato próximo com o desenvolvedor e quando não compreender realmente o que ele está querendo dizer, pergunte. Muitas vezes o uso de determinada expressão dentro de uma frase pode ter um objetivo muito diferente daquele que você está imaginando.
[2] Comentário enviado por fulllinux em 26/09/2007 - 08:10h
Muito bom... Não sou tradutor mas posso lhe garantir que agora posso me responder o porque de várias coisas que me endago. Sempre me perguntei sobre traduções de softwares e agora tenho uma base para isso. Vc explicando parece fácil, mas sei que não é bem assim...
[3] Comentário enviado por eliz em 26/09/2007 - 11:22h
Vou começar a dar aulas sobre linux e pretendo entrar no ramo de tradução de documentação. Adorei o seu artigo, assim que puder vou manter contato com vc :)
[4] Comentário enviado por borisam em 26/09/2007 - 16:43h
Gostei, da matéria embora não tenha muita habilidade para traduções. Mas respeito muito os profissionais que trabalham nesta área pois já economizei muito tempo e esforço por traduções bem feitas assim como já tive muito trabalho por não ter encontrado.
[5] Comentário enviado por AKYRA em 27/09/2007 - 21:02h
Issa é o tipo de materia super massa ...
Tipo acho que é o estilo de coisa que eu faria ja que nao sei programar....
Alias estou super interesado em pegar alguns pacotes tratusidos....
KEm sabi um dia tenhamos documentações talmente em Pt_Br
[6] Comentário enviado por etori em 28/09/2007 - 07:57h
Parabéns Michelazzo. Tenho uma vontade imensa de traduzir programas para nossa língua. Contudo, ainda estou estudando o inglês. Com este seu artigo percebi que não basta fazer um curso e sair traduzindo. Posso até colaborar com um outro tradutor, mas assumir um projeto precisa conhecer a língua nativa do programa muito bem.
[8] Comentário enviado por tuxSoares em 01/10/2007 - 11:08h
Olá, gostei do seu artigo, é uma boa orientação para quem está começando a fazer esse tipo de tarefa, também é otimo para quem somente quer ter uma noção de como é feito.