Um pouco de história
Segundo
[1], "o império romano é considerado a maior civilização da história ocidental". Todavia, considerando a data da fundação de Roma em 21 de Abril de 753 a.C., podemos considerar um período de 2.777 anos de história da cidade de Roma.
Roma e Brasília (DF) são cidades irmãs. Não por coincidência, a data da fundação de Brasília, em 21 de Abril de 1960, foi escolhida para homenagear Roma. Para isso, a embaixada da Itália enviou uma estátua de uma loba amamentando duas crianças (Rômulo e Remo), considerados, pela mitologia, fundadores de Roma. A "Lupa Capitolina" é uma loba com tetas fartas sendo mamada por dois humanos. Isso pode explicar muito das mitologias brasileiras atuais. Se você vier a Brasília, essa estátua está em frente ao palácio do governo distrital e é pouco visitada pelos turistas que desconhecem suas origens. O império romano deixou influências no mundo atual e muitas delas ainda são relevantes para o sucesso de uma civilização moderna.
2 - Por que os romanos não fizeram computadores?
Evidente que a pergunta é retórica e sabemos que as diversas tecnologias necessárias para fazer um computador não estavam disponíveis naquela época. Não havia conhecimento sobre eletricidade, metais raros, plásticos, fundição e outros materiais necessários, e esses são argumentos válidos. Todavia, essa abordagem leva à conclusão de que os romanos não fizeram um computador por causa da matemática romana.
Como uma sociedade agropastoril, a matemática romana era básica. As necessidades matemáticas se limitavam a contar um rebanho ou coisas cotidianas, além das trocas comerciais básicas. Isso era feito inicialmente com traços e marcas chamadas runas. Mais tarde, as runas evoluíram para os caracteres como conhecemos hoje.
Vimos nas aulas de matemática básica que os romanos representavam os números por caracteres (I, V, X, L, C, D, M), logo o sistema numérico romano atribui um valor a um caractere. O sistema matemático romano é baseado em adição e subtração básica.
À primeira vista, é uma contradição que as conquistas de engenharia dos romanos sejam baseadas em matemática básica em vez de ciência, matemática e engenharia modernas. Os romanos faziam pontes, viadutos e aquedutos. Tinham palácios e arenas esportivas, mas tudo era feito com a matemática básica disponível na época. Os romanos desenvolveram uma versão avançada do seu sistema numérico para usar números grandes, mas ele é extremamente complexo e hoje é apenas uma curiosidade.
3 - O ábaco romano
De acordo com
[7], o ábaco romano foi criado com base no ábaco grego e babilônico. Diferente dos ábacos grego e babilônico que usavam contas em hastes (como os ábacos chinês, japonês ou russo), o ábaco romano usava bolinhas de pedra (seixos) chamadas "calx" em espaços talhados em colunas. A palavra "calcular" é um diminutivo de "calx" que, em latim, significa "pedra". Por isso, as pedras nos rins são chamadas de cálculos renais! Calcular, no passado, significava "fazer contas por meios de seixos". As contribuições dos matemáticos romanos para o nascimento do cálculo moderno são inúmeras. O ábaco é uma calculadora, mas não é um computador no sentido moderno.
O livro "Ábaco romano: ensino, possibilidades e perspectivas" (ISBN-13: 978-8547305321) está disponível para quem quiser aprender como usar um ábaco romano.
4 - Zero em romano
Já parou para pensar como é o número zero em romano? Pense de novo! Isso mesmo, você não lembra! Contudo, não é um problema de memória, é que o zero em romano NÃO EXISTE! Não há um caractere para representar o zero e o conceito de zero sequer havia sido inventado.
De acordo com
[2], a resposta à pergunta "Quem inventou o zero?" é a seguinte: os babilônios usavam o vazio como símbolo do zero (ausência de unidade), os gregos foram os primeiros a compreender o conceito de zero (filosoficamente) e os hindus utilizaram (matematicamente) o zero pela primeira vez como número.
Observe que antes de ser número, o zero surgiu como um sinal gráfico apenas para marcar o espaço vazio que ficava no lugar que não tinha um valor. Para isso, foi escolhida a letra grega ómicron (O, o), por isso o zero se parece com a letra "O". Os gregos foram influenciados pela matemática e pela astronomia babilônica. Isso mostra que, quando uma sociedade passa de agropastoril para o estudo da astronomia, a matemática básica não é mais suficiente. O conceito moderno do zero está associado à matemática hindu juntamente com o conceito de um sistema numérico posicional que substituiu o sistema romano original.
5 - O problema do zero
O zero é um número tão misterioso que a sociedade levou séculos para aceitá-lo. Observe o conjunto dos naturais N = {1, 2, 3...} e veja que, intuitivamente, aceitamos associar um número a um objeto qualquer e realizar uma contagem. Mas na vida real não existe um objeto zero. Isso é um conceito mais profundo e contra-intuitivo. De acordo com
[3], o zero é tão contra-intuitivo que ele não faz parte dos números naturais, pois ele "não presta para contar". Assim, o conjunto N* representa os naturais sem o zero.
A Igreja Católica debateu por longo período a existência do zero. Pois a Igreja não aceitava a existência do vazio, uma vez que Deus existe, não pode haver vazio. Tanto matematicamente quanto filosoficamente, o debate sobre o "nada" existiu em várias culturas e religiões.
O mais próximo de um zero que os romanos chegaram foi o "Nulla" (que significa: Nada). Mas não havia um símbolo para o Nulla, ele simplesmente era escrito junto aos demais caracteres. Mais tarde, ele passou a ser representado pela letra "N". O Nulla é bastante conhecido dos programadores de algumas linguagens que usam o "Null" como variável.
Por incrível que pareça, o zero moderno é uma ideia da Idade Média, sendo considerado uma das maiores invenções da humanidade e comparado ao domínio do fogo e da roda, dada sua importância para a civilização.
O zero possui algumas propriedades curiosas:
- Zero é um número par, pois ele está entre -1 e 1, que são ímpares.
- Zero não é positivo e não é negativo (o que "buga o cérebro").
- Zero não é um número primo, pois possui infinitos fatores.
- A soma de 0 números (a soma vazia) é 0.
- O produto de 0 números (o produto vazio) é 1. O fatorial de zero (0! = 1), um caso especial do produto vazio.
- Na teoria dos conjuntos, 0 é a cardinalidade do conjunto vazio.
- A divisão de qualquer número por zero tem como resultado infinito ou indefinido.
- Em computação, a divisão por zero é representada por NaN (Not a Number). Em contas de ponto flutuante (IEEE 754), NaN é diferente de infinito e não representa um "overflow" ou "underflow", sendo uma indefinição.
- Na natureza, a divisão por zero é representada pela singularidade de um buraco negro. A densidade é dada pela massa dividida pelo volume; e o volume de um buraco negro tende a zero. Einstein falava: "O buraco negro é onde Deus fez a divisão por zero."
- Na lógica matemática, o zero equivale ao falso e o 1 ao verdadeiro.
- Um estudo feito na Flórida (EUA) mostrou que futuros professores primários receberam um teste do tipo verdadeiro-ou-falso com a pergunta: "Zero é um número par?" Eles achavam que era uma "pegadinha", e cerca de dois terços respondeu "Falso".
6 - Etimologia
A palavra "sifr", de origem pré-islâmica, significa "nada" ou "vazio". Os hindus traduziram a palavra "sifr" como "Sunyata". O conceito de "vazio" para os hindus se desenvolveu inicialmente como filosofia dentro do budismo. Quando o zero foi introduzido na Europa por Fibonacci, ele traduziu "sifr" como "zephyrum" (zéfiro, em italiano). No dialeto veneziano (usado pelos mercadores), ocorreu uma contração para "zero". Isso explica como o zero se tornou uma palavra universal. O primeiro registro na língua inglesa foi tardio, ocorrendo apenas em 1598.
De acordo com
[5], os brasileiros deram sua contribuição inventando o seu zero, que é chamado de "Zé fini" ou "zefini". O termo tem sua origem na expressão francesa "c'est fini", que significa: isto está terminado, ou simplesmente, acabou.
Observe que a grafia correta do zero é um oval "0" para diferenciá-lo do "O". Isso não é claro em fontes de computador que usam a letra "O" cortada como zero.
7 - Números binários
De acordo com
[6], os rudimentos de números binários surgiram no século III a.C., mas os números binários modernos são uma invenção do século XVIII, quando Gottfried Leibniz usou os algarismos 0 e 1 da maneira como fazemos hoje.
Depois, em 1854, George Boole escreveu um artigo detalhando um sistema lógico que seria conhecido como Álgebra Booleana. Basicamente, ele descreve o processamento de sinais em forma de expressão algébrica, fator fundamental para que fosse desenvolvida a aplicação do sistema binário em circuitos eletrônicos, dando o nome que usamos hoje de números Booleanos.
Em 1937, Claude Shannon (o pai da teoria da informação) se baseou na Álgebra Booleana para criar o computador digital e o projeto de circuito digital, enquanto fazia o seu mestrado no MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos.
A lógica binária é a base de todo o processamento computacional. Na verdade, são essas operações mais básicas que constituem todo o poderio dos computadores. Qualquer operação, por mais complexa que pareça, é traduzida internamente pelo processador para operações lógicas, realizadas por meio de portas lógicas.
8 - Conclusão e Referências
Depois de vermos como os números evoluíram até os dias atuais, chegamos à conclusão de que os romanos não inventaram o computador porque não conheciam o número zero, o sistema binário e nem a lógica booleana. Isso mostra claramente como a humanidade evolui lentamente, já que quase três mil anos se passaram até chegar à revolução digital do século XX. Revolução que somente aconteceu quando a matemática evoluiu o suficiente.
Referências:
1. Um pouco de história