lcavalheiro
(usa Slackware)
Enviado em 19/09/2014 - 20:45h
albfneto escreveu:
olha, vou dar minha opinião pessoal.
eu tenho 59 anos, brinquei com armas de brinquedo, tive espingardinha de chumbo, brincava de pirata com espadinha, mocinho e bandido, super herói etc...
um jogo é um jogo, nada mais do que isso.
crianças dos anos 40, 50,60 (como eu) brincaram com armas de brinquedo etc... e daí?
a violência eram muito menor que agora.
psicopata nasce psicopata, só psicopata se influencia por um joguinho a esse ponto...
se o cara for normal, um jogo é um jogo, ele pode jogar jogos violentos, com 12, 13, 14, 20 e não virará Bandido por causa disso.
se preucupar com um joguinho, proibir armas de brinquedo, é tudo uma bobagem.
uma preucupação irrelevante.
as causas da violência não são os jogos, ou as armas de brinquedo. nem a desigualdade social, porque essa sempre houve, e era maior que hoje.
e sim a droga, o tráfico e o contrabando de armas, isso que não havia antes a agora há! A Droga é a causa da violência, não o jogunho.
Portanto, respondendo a sua pergunta, não sou Psicólogo, mas não concordo.
Concordo com o Alberto, e vou mais além: normalmente ignoro opiniões de psicólogos sobre o assunto porque eles não passam de formatadores de cérebros. Principalmente sobre o assunto da violência lúdica. A função do psicólogo não é compreender a mente humana, tarefa essa o apanágio da Filosofia, mas adequá-la à sociedade de seu tempo. Prova disso: a homossexualidade é uma doença ou não? Ponha cinco psicólogos religiosos e cinco que não permitem suas crenças afetar seu exercício profissional na mesma sala, estoure algumas pipocas e assista à luta.
Em primeiro lugar, a violência lúdica é uma necessidade psicológica humana sim. Ela funciona como válvula de escape para situações estressantes com as quais não podemos, queremos ou sabemos lidar. Em seu caráter lúdico, ela promove a catarse mental, um misto de relaxamento e contentamento - a mesma sensação quando assistimos um bom filme, apreciamos uma bela obra de arte, temos uma refeição divina ou uma boa noite de sexo. O recurso à violência é algo instintivo em uma espécie predatória, como o
Homo sapiens sapiens, mas sob a égide do contrato social não podemos atender livremente a esse instinto. Torna-se necessário ludicizar a violência, torná-la uma brincadeira. A violência lúdica, portanto, atende à situação estressante de ter que suprimir um instinto básico nosso, enquanto membros de uma espécie competitiva e predatória. Quem pratica alguma forma de luta sabe disso, como nos sentimos psicologicamente satisfeitos após dar umas porradas num saco de areia.
Adendo ao primeiro ponto: filhotes de espécies predatórias (grandes felinos principalmente, e eu chamo atenção ao fato deles possuírem uma psiquê social muito similar à nossa) praticam, e muito, a violência lúdica como forma de preparar-se para a vida adulta.
Segundo ponto: a negação social da violência é mais estressante para a criança do que para o adulto. A criança, ainda não totalmente formatada pela sociedade, sente a pulsão dos instintos com muito mais urgência e força do que um adulto. Se não satisfeita, essa pulsão atinge aspectos patológicos e se torna impossível de ser satisfeita com a violência lúdica. Por isso os criminosos violentos estão cada vez mais jovens. Não é o consumo de drogas (há relatos que nós, enquanto espécie, nos drogamos desde os Egito e China antigos), não é a criminalidade (que existe desde um período tão antigo quanto), mas é o resultado de uma necessidade reprimida. Há, é claro, o aspecto financeiro da criminalidade, mas não podemos esquecer do aspecto psicológico. Há um exercício de poder no ato de se cometer um crime, e uma sensação de gratificação no caso de impunidade. E o exercício de poder é uma forma de saciar a pulsão violenta da psiquê humana. Os jovens são criminosos pela mesma maneira que os adultos procuram tornar-se governantes, diretores de instituições ou megaempresários: a satisfação da pulsão violenta reprimida pela sociedade através do exercício de poder. E um jovem bem-sucedido na vida do crime se torna um adulto criminoso, sem a necessidade real de procurar outras formas de satisfazer sua pulsão violenta.
Terceiro ponto: a indústria do medo (e por extensão fanatismos em geral) só prospera em sociedades nas quais as pessoas sofram com pulsões reprimidas. Thomas Hobbes disse em
Leviatã, ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil que o maior medo do homem não é a morte, mas ser vítima de violência. É claro que no século XVII não se estudava questões psicológicas da mesma maneira que hoje, mas torna-se evidente aos que lerem o livro que Hobbes falava da violência não-lúdica. Uma pessoa vivendo em uma sociedade que reprima as pulsões violentas, por exemplo, sabe que os outros membros dessa mesma sociedade sofrem as mesmas repressões. Logo, sabendo que outras pessoas estão estourando de pulsão violenta reprimida tal como ela está, a pessoa se torna suscetível à propaganda da indústria do medo.
Adendo ao terceiro ponto: é interessante notar que a sociedade descrita em
1984 só foi possível pela repressão à pulsão sexual, e O'Brien, o membro do alto escalão do Partido, afirma que o objetivo maior dos psicólogos da Oceania é suprimir neurofisiologicamente o orgasmo. Nas palavras de Julia, outra personagem do livro, "essa história toda (...) não passa de sexo que azedou". E é interessante notar como nossa sociedade caminha na mesma direção.
Quarto ponto: interessa à indústria do medo que as pessoas não tenham formas de satisfazer suas pulsões violentas. Discursos fundamentados no recurso ao perigo ("<insira uma atividade não convencional aqui> é perigoso", diz a voz corrente) são a fundamentação de uma moralidade escrava nas pessoas, e essa fundamentação encontra fértil terreno naqueles em que as pulsões violentas são constantemente reprimidas. Uma vez que a função da sociedade (aqui entendida não como o corpo social, mas como uma entidade dotada até certo ponto de vontade própria) e de seus sacerdotes-protetores, os psicólogos, é manter-se existente tal como ela é agora, e uma vez que tal função só se atinge se as necessidades de seus líderes (não os políticos, mas os que verdadeiramente mandam e desmandam) forem satisfeitas, e considerando-se o fato que a indústria do medo é a mais lucrativa desde o fim da Segunda Guerra Mundial, deduz-se facilmente que os discursos fundamentados no recurso ao perigo são essenciais para que a indústria do medo continue a prosperar.
Recapitulação: afirmou-se que a violência lúdica é uma necessidade humana, que as crianças necessitam muito mais dela do que os adultos, que a indústria do medo precisa que as pessoas sofram de pulsões violentas reprimidas e que interessa a esta que as pessoas não satisfaçam tais pulsões.
Pergunta: qual é a maneira mais garantida de atingir o resultado exposto pelo quarto ponto levantado? Agindo sobre a criança. Uma vez devidamente condicionada (alguns aqui usam a palavra educada), a criança manterá os padrões recebidos pelo condicionamento. Ao mesmo tempo, é muito difícil recondicionar (os que usam a palavra educada usariam aqui consertar) um adulto. As brincadeiras descritas pelo grande Alberto eram formas mais do que sadias de se atender à necessidade de violência lúdica. Ao final do dia todos guardavam seus tapa-olhos e espadas e rifles de brinquedo e navios piratas e fantasias, satisfeitos tanto pela catarse quanto pelo encantamento que uma boa diversão promove. Nenhum dos amigos do Alberto, suponho, tenha se tornado pirata apenas porque brincava disso na juventude.
Consideração: a indústria do medo, porém, levou os pais proibir ou desincentivar certas brincadeiras vistas como "perigosas", e as crianças foram deixadas sem meios para satisfazer suas necessidades por violência lúdica. Os jogos eletrônicos apareceram como uma válvula de escape, mas o estrago já havia sido feito. Conseguiu-se o impossível: recondicionar os adultos a reprimir a necessidade por violência lúdica das crianças. As crianças crescem sob a égide do medo, sob o tacão de tal repressão. Algumas crianças, alguns jovens, alguns adultos já estão tão reprimidos que a violência lúdica não os satisfazem mais.
Conclusão: para a indústria do medo é necessário criminalizar, banir ou ostracizar de alguma forma os jogos violentos, do contrário as pessoas terão meios para satisfazer suas necessidades por violência lúdica. Um jogo eletrônico é a forma perfeita de violência lúdica: promove a mesma catarse, o mesmo encantamento, mas sem oferecer riscos de contusões, raladuras, hematomas ou outras inconveniências físicas. A sociedade, aqui compreendida como aquela entidade semi-senciente cujo cérebro são seus dirigentes de fato (ver quarto ponto), depende da indústria do medo para a manutenção do status quo. Afirmo, sem medo algum de errar, que os programas de espionagem dos cidadãos de países como os EUA têm a mesma origem primeira da repressão aos jogos violentos: é a indústria do medo querendo perpetuar-se como sustentáculo da sociedade tal como a temos hoje. Pessoas livres da repressão de suas pulsões (sejam elas as violentas, as sexuais, todas elas) não aceitam o condicionamento necessário para se tornarem úteis à indústria do medo, à sociedade, e por isso tal liberdade não pode ocorrer.
Pós-escrito: o ponto levantado pelo grande Clodô é outro. Seus pais não o proibiram de jogar bola, apenas lhe deram senso de prioridade. Ninguém em sã consciência irá defender que uma criança ou um jovem ou um adulto deva dar vazão à sua necessidade por violência lúdica vinte e quatro horas por dia, assim como ninguém em sã consciência irá defender que uma pessoa que não seja atleta profissional deva jogar futebol por tanto tempo. Por isso os pais do Clodô o faziam estudar antes de jogar bola. Mas ninguém na mesma sã consciência deve negar a satisfação dessa vontade, assim como os pais do Clodô não negaram ao filho o direito de bater algumas peladas com os amigos.
Em tempo: eu não li o estudo mencionado pelo colega. A questão é, a Filosofia já sabe disso desde muito antes de Nietzsche e seu
Genealogia da Moral: um livro para todos e para ninguém. Os psicólogos, devido à ignorância inata da disciplina sobre a mente humana, estão condenados à reinventar a roda - parafraseando uma citação famosa sobre Unix, "os psicólogos, por não conhecerem a mente humana, estão fadados a reinventá-la pobremente".