Ilegalidade em Editais de Concurso que cobrem Conhecimento em Software Específico e Proprietário

Este breve artigo versa sobre a ilegalidade dos editais de concurso público que cobrem conhecimento em software específico e proprietário, demonstrando o conflito existente entre estes atos administrativos com a Constituição Federal e com os princípios que devem reger a administração pública.

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Por: Thiago Vieira em 15/06/2005


Introdução



Hordiernamente é comum encontrar editais de concurso público que exijam dos interessados em ocupar um cargo público conhecimento em informática, o que é perfeitamente compreensivo já que esta tecnologia, ou melhor, esta ciência transformou o mundo, trazendo diversas facilidades para a humanidade. Não podendo a administração pública se fechar aos avanços tecnológicos, sob pena de não alcançar seu objetivo final: o bem estar social.

São muitos os benefícios oriundos da ciência da informática para a administração e administrados. Basta observar o crescente número de serviços públicos na internet[1] para se ter noção das vantagens[2] trazidas por esta tecnologia.

O que é preocupante, é a forma como este conhecimento em informática vem sendo cobrado em relação ao software. Vem-se buscando do pretenso funcionário público o domínio em software específico, como por exemplo: Windows, Word, Excel, etc. Em vez de se buscar conceitos do gênero do software (Ex: editor de texto ao invés de MS Word), busca-se atalhos, como se estes programas fossem os únicos existentes no mercado, como se a ciência da informática fosse estática, imutável.

Esta postura da administração vem causando conflitos entre particulares e o Estado, merecendo portanto uma análise detalhada dos princípios do direito administrativo, envolvidos nesta questão.

Software e seus modelos de licenciamento


Antes de adentrarmos no conteúdo jurídico da questão, se faz imprescindível conhecermos o conceito de software. Software é o meio pelo qual o homem interage com a máquina, traduzindo comandos humanamente compreensíveis , para a linguagem da máquina[3]. Utilizando um conceito mais técnico pode-se afirmar que: "Um software é uma estrutura lógica, um programa que realiza funções dentro de um sistema computacional"[4].

Existem diversos modelos de licenciamento de software, dentre eles dois merecem destaque: Software Proprietário e Software Livre. O primeiro trata-se de um modelo que restringe as liberdades do usuário, como por exemplo: limitando a finalidade do mesmo, o número de cópias que podem ser instaladas, negam acesso ao código fonte[5] impossibilitando assim, o estudo e a modificação do software. Outra característica que geralmente acompanha o software proprietário é o seu alto custo para o consumidor final.

O segundo modelo, o de software livre, vem para garantir a todos os usuários no mínimo quatro liberdades: A liberdade de executar o software, para qualquer uso; A liberdade de estudar o funcionamento de um programa e a de adaptá-lo às suas necessidades; A liberdade de redistribuir cópias; A liberdade de melhorar o programa e de tornar as modificações públicas de modo que a comunidade inteira se beneficie da melhoria. Também conhecido como software libertário, os softwares livres são comumente distribuídos gratuitamente, apesar de não serem necessariamente grátis[6].

O matemático e Professor Pedro Rezende[7] bem percebeu e traduziu a diferença entre estes dois modelos de licenciamento de software:

"No software proprietário, o programador abdica da liberdade de controlar sua obra, em troca de salário e compromisso de sigilo, O distribuidor, fantasiado de 'fabricante', torna-se proprietário de tudo. Desde o código fonte, tido como segredo de negócio, até as cópias executáveis, licenciadas ao usuário sob custódia e regime draconiano. Enquanto no software livre o programador abdica de um dos canais de receita pelo seu trabalho, em troca da preservação do controle dos termos de uso da sua obra. Em contrapartida, se a obra tiver qualidades, agregará eficiência aos empreendimentos em torno dela. Seu valor semiológico, conversível em receita com serviços, será proporcional à magnitude do esforço colaborativo onde se insere. O código fonte é livre sob licença que preserva esta liberdade, enquanto a cópia executável é tida como propriedade do usuário. (...) Só tem a perder com ele (Software Livre) quem consegue galgar posições monopolistas no modelo proprietário. O problema é que a ganância faz muitos acreditarem que serão os eleitos pelo deus mercado, enquanto seguem correndo atrás da cenoura amarrada na ponta da vara que pende das suas carroças digitais, não se importando com os efeitos colaterais de se tratar conhecimento como bem escasso, ao considerarem software como mercadoria."

Notas de Roda Pé


[1] Confira a lista de alguns serviços públicos disponíveis na internet: Diversos serviços da Receita Federal Receita.222 www.receita.fazenda.gov.br, Delegacia on line www.ssp.ba.gov.br/, Acompanhamento de processo judicial www.stf.gov.br, www.tj.ba.gov.br , www.trt05.gov.br, etc, Portal da Transparência - banco de informações, aberto à população, sobre o uso que o Governo Federal faz do dinheiro que arrecada em impostos www.portaldatransparencia.gov.br, Certidão Negativa da Justiça Federal www.trf1.gov.br/, Licitações On Line www.pge.go.gov.br/licitacao. Todos os links acessados em 28 de maio de 2005.

[2] Infelizmente estes serviços não estão disponíveis para a maior parte da população, que sofre com a exclusão digital.

[3] Linguagem da máquina ( baixo nível ) é o código que o computador executa diretamente. É composta de 0´s e 1´s , também conhecida como linguagem binária.

[4] Oliveira, Thiago Tavares Nunes. Decifra-me ou devoro-te: a essência das patentes de software. monografia defendida pelo autor perante Banca Examinadora ocorrida em 24/01/2005 no auditório 42 do Campus da Federação da Universidade Católica do Salvador (Faculdade de Direito). Disponível em:
Acessado em 28/05/2005.

[5] Código fonte é o conjunto de palavras, humanamente compreensíveis, escritas de forma ordenada, contendo instruções em uma das linguagens de programação existente, de maneira lógica. Após compilado, transforma-se em software, ou seja, programas executáveis, humanamente incompreensíveis ( vide nota 1). Esta nota de roda pé se baseia na Wikipedia www.wikipedia.org. Acessado em 28/05/2005

[6] Para avançar nos estudos sobre software livre recomendo como leitura básica a Cartilha de Software Livre (http://twiki.im.ufba.br/bin/view/PSL/CartilhaSL). Acessado em 28/05/2005.

[7] REZENDE, Pedro Antonio Dourado de. SOFTWARE LIVRE - A eucaristia digital. Publicado em 15/06/2004. Disponível em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=281ENO001. Acessado em 29/05/2005.

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Páginas do artigo
   1. Introdução
   2. Dos princípios do Direito Administrativo
   3. Conclusão
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Comentários
[1] Comentário enviado por diogozanetti em 29/09/2005 - 13:29h

ótimo artigo Faiper, isso é necessário de se ter ciência pois muitos concursos pedem assim (conhecimento em Word) o que acho um absurdo...

[2] Comentário enviado por paulohsgoes em 29/09/2005 - 14:58h

Faiper, queria expressar minha satisfação por ter lido seu excelente artigo. Profundo e ao mesmo tempo simples e direto nas opiniões e na seriedade exigida pela matéria em questão. Concordo com você em gênero, número e grau, ainda mais em minha condição de estudante de Direito Administrativo com vistas à aprovação em concursos públcos. Realmente é um desrespeito frontal aos princípios daquela disciplina que só agrava esse mar de contradições que reina em nosso país. Dei nota 10 ao seu artigo, mas na verdade penso que ele merece bem mais que isso. Meus parabens.

[3] Comentário enviado por bebeto_maya em 30/09/2005 - 01:58h

É um crime sério, via de regra, praticado pelos partidos políticos conservadores neo-liberais.Aqui em Pernambuco, na administração Jarbas Vasconcelos, esse tipo de coisa acontece com frequência. Penso que a sociedade civil padece de extrema ignorância em tecnologia, e nesse caso, tende a consumir o que é mais midiático, exatamente o Windows+Word+Excel. É o caso do primeiro refrigerante que chega numa cidade do interior ser sempre a Coca-Cola..Sinceramente acho que só teremos um discurso aberto com participação da sociedade, cobrando, quando o país estiver todo monopolizado, aí vão someçar a quetionar...É Marxismo puro!

Não sou marxista, e acredito que antes de chegarmos a merda, temos que tomar uma providência...Mas é quase impossível...Cito o Banrisul e sua recente licitação para compra de 7.000 máquinas com Windows XP, a licitação pré-especifica que todas as máquinas venham com Windows e que para não haver ¨monopólio¨, será escolhida uma dentre várias empresas que lidem com a plataforma do Bill Gates...Isso é crime pois discrimina o fornecedor já na Raiz...A lei se enquadra perfeitamente aí.

Contudo, onde estão as empresas fornecedoras da Concorrência?? Conectiva, Insigne, etc...Se ninguém reclama, se ninguém contesta...O crime prevalecerá, porque a sociedade é passiva.



[4] Comentário enviado por paulohsgoes em 30/09/2005 - 10:16h

bebeto_maya, acho que você atacou o cerne da questão, que na verdade está centrado em dois pontos ambos abordados por você com bastante clareza os quais gostaria de aqui desenvolver.
O primeiro é o conluio vivenciado entre a Administração Pública e os partidos de origem dos ocupantes de cargos responsáveis pelas diretrizes políticas da respectiva esfera de governo; haja vista o cenário denunciado pela imprensa no triste episódio encenado no planalto central nos últimos 3 meses. Meu receio é que aquilo represente apenas a ponta de um gigantesco iceberg!
O segundo, e não menos grave por se tratar de uma questão presente em nossa sociedade desde a chegada da primeira caravela nesta Terra de Vera Cruz, são as nossas inércia e despreparo para o exercício consciente da cidadania, vícios esses, garantidores da ineficiência, desrespeito, demagogia e impunidade hoje reinantes.
Não sei dizer qual deles é o mais preocupante. Enquanto que para o primeiro bastaria seriedade na observância das leis, incluindo-se aí o devido rigor na aplicação de punições aos ilícitos penais cometidos (ao meu ver uma utopia jurídico-legislativa). Para o segundo não vejo outra solução que não seja uma verdadeira revolução de costumes e cultura que exorcisasse do nosso meio o que você muito bem citou na parte final de seu comentário: ausência de reclamações, ausência de contestações e passividade.
Não seria a hora de revermos nossos conceitos de cidadão? Não seria, ainda mais diante da proximidade de um ano eleitoral, a hora de darmos um recado aos detentores do poder que, apesar de serem eles os ocupantes de cargos, somos nós, o povo, os titulares do poder? Vejo com muita preocupação a hipocrisia hoje prolatada pelos meios convencionais de comunicação que colocam o exercício do voto como obrigação. Tanta certeza cerca esta minha opinião que basta um olhar mais atento para repararmos que, em momento algum, a Justiça Eleitoral veicula na mídia, para esclarecimento geral do eleitorado, como fazer para anular o voto. Sim, por que não?! É informação valiosa e, como tal, deveria estar à disposição do cidadão comum para utilizá-la como melhor lhe conviesse, haja vista ser o acesso à informação um direito constitucionalmente estabelecido. Ao invés de obrigação, o voto é um direito. Direito de expressar a preferência entre tais ou quais cidadãos são diginos da responsabilidade que pleiteiam, ou mesmo expressar nosso repúdio a qualquer um dos postulantes, os quais, com o passar do tempo, têm se mostrado suficientemente infiéis ao mandato que invariavelmente conquistam.
bebeto_maya, acredito que contra a apatia, resignação e passividade só há um remédio: a colocação pública e notória de nossa discordância. Isso, num primeiro momento, e diante da repercussão que causaria, estaria muito bem colocado numa massiça ocorrência de votos nulos nas próximas eleições. Representaria um primeiro passo na direção de um basta a tudo que assistimos passiva e resignadamente diante de nossos olhos. Os passos posteriores seriam ações mais efetivas no acompanhamento e cobrança daquilo que nos afeta como direitos: saúde, educação, dignidade para os da terceira idade, para a mulher e para a criança, só pra citar alguns.
Só queria colocar mais tres observações: primeiro peço desculpas pelo comentário quilométrico. É que comparitlho com você a mesma indignação e anseio, e acredito que você também, por novos horizontes, incluindo-se neles um terreno cada vez mais fértil para o software livre.
O segundo é que não sou candidato a nada. Sou apenas uma pessoa que encontrou um espaço apropriado para o compartilhamento de idéias e estou aberto a ouvir outras opiniões e/ou críticas às colocações aqui feitas.
E por último, mas não menos importante: VIVA O LINUX!!!

[5] Comentário enviado por xnardelli em 10/03/2006 - 10:37h

Concordo. Já fiz concurso público e a hipocrisia é muito grande.

Nos próximos que eu fizer impetrarei mandado de segurança contra a prova que exigir "atalhos" de sistemas proprietários, conforme apontado no texto.

Parabéns, saiba que não é o único a contestar esta deficiência do sistema público.


[6] Comentário enviado por joaomc em 12/05/2009 - 13:13h

Jarbas Vasconcellos não é neoliberal. Dizer isso é até ridículo. Não estou defendendo o político, e sim defendendo o uso correto das palavras ao invés de utilizá-las como xingamento a esmo ("juiz neoliberal! dá cartão pro jogador, seu capitalista sujo!").

Dito isso, alguns criticam as licitações que exigem um sistema operacional específico. Sou um defensor do uso de software livre, e acho que os funcionários precisam se adaptar e aprender ao invés de ficar choramingando porque alguma coisa ficaria diferente. Porém, na prática uma migração dessas não tem como ser feita da noite para o dia. O que fazer com os sistemas construídos para plataformas proprietárias? É preciso um planejamento e uma reestruturação da área de TI e de todos os sistemas. O ganho é óbvio, porém, tentem imaginar a gigantesca resistência às mudanças necessárias. Além do mais, sempre aparece uma empresa com seus números mágicos, mostrando que seu sistema tem um TCO menor, etc. Como tem muitas pessoas em cargos importantes sem conhecimentos em TI e altamente influenciáveis por apresentações bonitinhas, a coisa fica mais difícil ainda.


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