Licenças: liberdade para quem?

Vamos discutir mais sobre as licenças (GPL, BSD, CC), seus objetivos, decisões envolvidas, casos comentados (declaração de Stallman, lucro com suporte, logomarca do Fedora, sabores dos Ubuntus) para chegarmos à questão: a liberdade é para quem?

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Por: celio ishikawa em 12/01/2010


Quem tem direito de ganhar dinheiro? O leigo ou o programador? O manual faz parte do suporte?



A primeira resposta para a pergunta do título dessa página é sim: o programador tem mais direito a ganhar dinheiro que o leigo, pois o programador participou do desenvolvimento do software. Nesse sentido, o lojista (ou camelô) tem menos direito que o programador de ganharem com cópias do software.

Mas se pensarmos bem, a resposta não é tão fácil. O próprio FSF reconhece que talvez tão importante quanto desenvolver seja divulgar o software livre. E se é necessário toda uma estrutura e estratégias para os lojistas ou organizadores de eventos de software livre divulgarem o software livre, eles merecem ganhar por isso, por outro lado, se pensarmos bem, os empresários-programadores não mereceriam ficar com todo dinheiro que arrecadarem com venda de cópias ou suporte. Digo isso porque na maioria dos casos eles não desenvolveram o software livre inteiro, O GNU/Linux por exemplo é resultado de muitos colaboradores. Assim, quem estiver lucrando com software livre, está tendo lucros legítimos (até porque como disse, disseminar e convencer as pessoas a usar é trabalhoso), mas graças a todo trabalho voluntário de muita gente ao redor do mundo. Não quer dizer que não esteja indo nada para esses voluntários, em muitos casos não recebem nada mesmo, mas em outros casos há fundações que recebem doações para seus projetos.

Para ilustrar, muitíssimo em breve será lançado o Google ChromeOS. Vai envolver marketing e vendas, o Google merece receber por isso, e ela está desenvolvendo, e merece receber por isso, mas apesar de ser legítimo o Google ganhar dinheiro por essas maneiras, ela está se aproveitando da plataforma Linux, logo, ela terá lucros, mas como ela não desenvolveu o sistema inteiro, sempre ficará a impressão de que não merecerá ficar com tudo que ganhar.

O manual faz parte do suporte?

Não estranhem essa pergunta, a questão tem a ver com o modelo de negócios dos softwares livres: se as pessoas ganham dinheiro com suporte, elas devem disponibilizar os manuais livremente? A FSF diz que sim, e escreveu um artigo chamado "Free Software and Free Manuals" (pode ser acessado aqui) contudo, ela mesma ressalta que não se refere à manuais de graça, e que ela mesma cobra pelos manuais impressos do projeto GNU, mas ela diz que uma versão digitalizada deveria vir junto do software, e como na maioria das vezes os softwares são copiados de graça, indiretamente ela diz para distribuir cópias gratuitas da versão digital do manual.

O motivo porque a FSF diz lamentar a existência de softwares livres sem manuais ou com manuais de copyright proprietário é até justificável: se o software é modificável nas suas funcionalidades, a pessoa que modificou vai querer explicar como qual é a nova funcionalidade, e aí ela vai modificar o manual.

Mas se é essa a explicação, a FSF parece se referir aos manuais que sejam meras listas de funcionalidades do software, enfim, aqueles manuais "chatos" de ler, e não manuais didáticos. Por exemplo, uma manual que liste as ferramentas e funcionalidades das ferramentas de um programa de desenho, mas não um manual que ensine a desenhar no sistema passo-a-passo de uso combinado das ferramentas.

A meu ver, essa é a forma de resolver a pequena contradição entre o projeto GNU dizer que as pessoas podem ganhar dinheiro com suporte e ela recomendar manuais livres: o manual "chato" é distribuído junto com a cópia, mas o manual didático, ou a própria assistência de um professor didático faz parte dos serviços de suporte, que as pessoas ganham apenas quando contratam os serviços de suporte.

Claro que não está escrito em nenhum lugar que o procedimento deve ser esse, e inclusive para me contradizer, tem gente se esforçando em comunidades de software livre para produzir manuais bastante didáticos para os leigos entenderem, mas é algo que apenas deduzo que possa existir.

Nesse mundo da informática há algumas coisas que não são ditas, mas implícitas: pode existir uma política implícita para dificultar que o leigo do software livre manipule recursos avançados sem precisar de suporte, da mesma forma que dizem existir uma política implícita da Microsoft de nunca acabar com a pirataria por completo pois ela ajuda na disseminação do Windows. (Há inclusive uma análise nesse sentido que prevê que o combate à pirataria diminuirá caso a Microsoft se sentir ameaçada com o avanço da Apple - veja aqui).

Espero que o que escrevi não ofenda quem já fez serviço voluntário de suporte ao software livre, ou de quem oferece suporte pago mas argumente que apesar de pago não visa o lucro - já que suporte também implica a necessidade de toda uma estrutura para ser oferecida, ainda mais em emergências. Mas se é para levar a sério a proposta de modelo de gestão em software livre mais voltado ao suporte que à venda de cópias, é bom admitir que há empresas interessadas em oferecer suporte como necessidade de conseguir lucros e elas guardariam para seus clientes as melhores dicas.

Por fim, podem existir bons didáticos para cópias livres, disponibilizadas por empresas ou fundações de software livre, mas aí há outra pequena contradição: o manual que demorou para ser preparado não visa o dinheiro para o projeto, mas as camisetas do projeto visam, sendo que para as camisetas bastou imprimir o logo do projeto na camiseta!

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Páginas do artigo
   1. Stallman disse que a liberdade não inclui liberdade para se acorrentar (GPL x BSD)
   2. Quem tem direito de ganhar dinheiro? O leigo ou o programador? O manual faz parte do suporte?
   3. As 6 letras do Fedora. Arte x Software (e exercício: Creative Commons x GPL)
   4. Conclusão
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Comentários
[1] Comentário enviado por cruzeirense em 14/01/2010 - 12:24h

Prezado celio ishikawa

Muito bom seu artigo.
Eu pessoalmente acredito que as licenças deveriam favorecer mais (financeiramente) o desenvolvedor do software. O usuário final tem que pagar pelo bom software que usa. É como uma cadeia alimentar onde um depende do outro. Se o usuário parar de pagar, o programador para de desenvolver e o ciclo é quebrado.
Agora, uma questão que achei interessante, é a quem pagar. Quem merece o dinheiro pago pelo software? Softwares open source são desenvolvidos por n pessoas e não seria justo que apenas o último que compilou fique com todos os frutos do trabalho.

Parabéns pelo artigo

[2] Comentário enviado por celioishikawa em 15/01/2010 - 11:38h

Ola cruzeirense, agradecido.
Essa questão da viabilização financeira realmente é importante, e o próprio FSF colocou na lista de suas 10 maiores prioridades um sistema de troca de comunicação e recebimento de doações, ou seja, de alguma forma o dinheiro tem de entrar, seja pelas doações ou cobrando do usuário final, é algo que precisa ser aperfeiçoado mesmo.

Sobre a quem pagar, de fato veremos em breve como as pessoas reagirão ao Google ChromeOS: o Google colheu tanto elogios quanto críticas ao longo desses anos e veremos se as pessoas dirão se ela merece lucrar com Linux ou não.

Achei que poderia ter explicitado mais a ironia na página 3: a questão é que a licença BSD que dizem ser a mais permissiva pode-se mostrar menos permissiva que o CC caso a pessoa a quem passar adiante o código sob BSD restrinja as cópias. É o que falei da licença BSD deixar mais liberdade para os programadores, mas menos liberdade para os usuários finais.

Eu pessoalmente acho a licença BSD complicada, útil mais para projetos que estão em estado tão embrionário que o programador prefira deixar que as pessoas usem seja para qual propósito for (deixando para outroa decisão de deixar livre ou restringir). Caso a intenção seja deixar livre, pergunto se ao invés de BSD não seria melhor que o GPL. E caso o intenção seja restingir, pergunto se não é melhor combinar o GPL com alguns atributos restritivos do CC (como a não-derivação ou não-comercialização).

atualização 15/1/10: Stallman sobre a questão que se refere tanto à licença BSD quanto o licenciamento duplo (GPL e proprietário), ou seja, aqueles que permitem que surjam trabalhos derivados proprietários. Stallman acha que tudo bem o programador ser permissivo quanto essas coisas, mas ele acha antiético o programador do trabalho derivado optar pelo modelo proprietário.

"ele conclui que o programador de software livre que oferece seu software (livre) sob uma exceção que permitirá a um terceiro inclui-lo em um software proprietário não está praticando um ato anti-ético. Mas quem aceita a oferta deste programador está."
Confira em http://br-linux.org/2010/mysql-ensaio-de-richard-stallman-sobre-a-venda-de-excecoes-a-gpl/


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