Este quarto fator é também o título de um dos artigos mais polêmicos que eu já escrevi, artigo este que você pode ler tanto no Viva o
Linux quanto no meu site. Até agora, os três fatores citados apontam muito mais pra quem fornece do que pra que consome, ou seja, eu sustentei minha tese focado muito mais nos equívocos dos profissionais autônomos e empresas que trabalham com informática do que nas incoerências dos usuários.
É fato que a informática muitas vezes sofre com a banalização, bem como acontece com outros ramos do conhecimento humano, mas a informática é o ramo que mais contribuí para sua própria banalização. Com o intuito de ser "amigável", quantas vezes sistemas operacionais ou sistemas de gestão exibem na tela mensagens que tratam o usuário como idiota - muitos usuários são idiotas mesmo, mas nem por isso nós devemos alimentar essa idiotice, por mais atrativo que o retorno financeiro de explorar este "mercado" possa ter (o máximo que você pode conseguir é se tornar um idiota rico).
Na informática perdemos muito tempo, e também dinheiro, nos preocupando com detalhes demasiadamente fúteis. Tal qual como nesse artigo que eu tinha escrito, eu reconheço que o computador é seu, você usa como quiser, mas não use-o para deixá-lo mais burro. Não sou eu quem diz isso, já vi inúmeras revistas e jornais conceituados escreverem matérias com temas do tipo "será que a Internet está nos deixando cada vez mais burros" ou "o outro lado da Internet" etc. As dificuldades na informática só refletem as dificuldades que já existem em outras áreas.
No meio corporativo, e eu já devo estar repetindo isso pela décima vez em meus artigos, o fato é que a maioria das empresas (lembre-se mais uma vez que estou destacando as de micro, pequeno e médio porte, pois é nelas que isso mais ocorre) não busca um sistema pra padronizar suas rotinas, automatizar e otimizar seus processos, elas querem apenas algo para informatizar a sua bagunça.
É por isso que não são poucos os agentes de suporte, analistas e programadores que ficam até loucos tentando satisfazer seus clientes, e a dura realidade é que isso nunca será possível, mas por culpa deles mesmos. Remetendo ao tópico anterior, muitos acabam caindo nesta situação por falta de capacidade de gerenciar isso, como não têm competência para garantir a qualidade de seus produtos e serviços e assim estabelecer alguns padrões, acabam partindo pra ações desesperadas, abrem cada vez mais portas e concessões, inclusive pra fazer coisas erradas, e entram num processo sem fim de "viver correndo atrás do prejuízo".
No lado dos clientes, como eu disse no último artigo que escrevi antes deste (leia no meu site), algo que eu conversei com um amigo dias atrás, me lembro com saudade da época em que se dizia que o operador de computador deveria ser uma pessoa qualificada, bem conceituada dentro das empresas. Hoje praticamente ninguém liga mais pra isso.
Eu me iro ao ver pessoas que são experts em Orkut, MSN e Youtube, mas são incapazes de realizar seu trabalho com a mesma dedicação que dão a estas coisas. Na maioria das empresas ninguém vê isso, como computador virou coisa que qualquer um sabe mexer, ou então como quase todo empresário tem um sobrinho que é o "fera" em informática, o profissionalismo passou em muitos casos a ser um detalhe praticamente desprezível.
A pessoa está no trabalho, à frente de um computador, no mundo da lua, preocupada com o scrap que ela mandou pro Orkut e ainda não foi respondido, ou então procurando sites de emoticons pro MSN, mas ela trabalha no departamento financeiro da empresa, mal sabe a diferença entre multiplicar e dividir, daí vai fazer um lançamento no sistema, não presta a atenção, faz "cagada" e lá se vai mais um chamado pro suporte resolver.
Em contrapartida, ao invés de orientar o usuário ou o responsável superior sobre a maneira adequada de de realizar os processos, o pessoal do desenvolvimento opta por "baixar o nível" pra que o produto seja compatível com a capacidade de quem o usa - e este é um ponto delicado de se tocar também porque muitas vezes o usuário desatento é o próprio superior.
Mas isso é como querer culpar uma montadora de carros por um acidente causado por um motorista desatento. Saiba que quase 90% dos acidentes automobilísticos são causado por falha humana, e apenas cerca de 4% são causados por defeitos mecânicos - mesmo assim a falha humana é um fator indireto dentro deste percentual, pois a maioria das falhas mecânicas se deve à falta de manutenção do veículo.
Ainda bem que carros não são softwares, senão infelizmente muito mais gente seria vitimada. Felizmente existem padrões sérios na indústria automobilística, da mesma forma que existem padrões sérios para os usuários de automóveis poderem trafegar nas ruas.
É claro que este tipo de coisa, bem como todos os fatores citados, não é privilégio da informática, mas da mesma forma que tantos outros setores têm buscado, está na hora de pensarmos num modelo de sustentabilidade melhor. O problema não é o software proprietário em si, mas a cultura que ele representa, uma cultura equivocada.
Essa cultura faz pensar que o protecionismo e a retenção de conhecimento é o melhor modelo, mas a cada dia vemos que isso esta ficando ultrapassado. A Microsoft ficou muito rica, o Bill Gates também ficou muito rico em consequência disso, mas ele se aposentou e o Windows continua ficando cada vez pior.
O nível de complexidade da tecnologia hoje tomou uma proporção que é praticamente impossível pra uma única empresa bancar tudo sozinha, e é por isso que o Linux está aí, bancado por pessoas anônimas e autônomas e por grandes empresas ao mesmo tempo, todos colaboram, não pra que se torne um sistema perfeito, mas pra que seja o mais sustentável, e pelo que eu saiba, pelo menos do lado das grandes empresas, ninguém faz isso pra levar prejuízo, tem gente lucrando muito distribuindo software de graça.
Bem, em relação às micro, pequenas e médio empresas, não estou propondo que elas adotem o mesmo modelo das grandes, mas já seria um bom progresso deixar algumas práticas arcaicas para trás. É fato que cada vez mais é difícil para uma empresa de pequeno a médio porte que desenvolve software conseguir atender a todos os clientes que ela quer ter sozinha, por isso muitos têm buscado parcerias e até mesmo fusões. Mas, de maneira geral, isso não é suficiente, pois neste ramo da informática, mais especialmente o desenvolvimento de software, ainda existem algumas atitudes bem imbecis.
Nos outros ramos da indústria, através dos meios legais e acordos, de uma maneira ou outra, uma empresa sempre acaba se beneficiando das descobertas da outra, existem inclusive consórcios de cooperação pra busca de novas alternativas, etc. Mas na produção de software a defesa do "segredo industrial" chega a ser insana, e isso também nas empresas menores, as empresas não trocam informações para o bem comum, passam a concorrer tendo como argumento não qual é a melhor, mas sim qual é a menos pior.
No lado das empresas "usuárias" a situação também é cada vez mais difícil porque tudo custa caro, o sistema operacional é caro, o pacote Office é caro, o sistema de gestão é caro, a manutenção é cara, a internet é cara. Sendo franco, por causa disso algumas optam por usufruir destes recursos de maneira ilícita, e perdem em qualidade, confiabilidade. É praticamente impossível também esperar que alguém execute um serviço de qualidade se utilizando de artifícios, digamos, inadequados.
Claro que também muitas vezes as empresas são vítimas. Como nem todo mundo é obrigado a conhecer de informática, acaba contratando alguém que oferece o serviço, mas o executa de forma duvidosa. Todo este transtorno poderia ser resolvido com uma atitude simples e inteligente, que certamente no "fim das contas" é inclusive a que dá menos trabalho.