paulo1205
(usa Ubuntu)
Enviado em 10/05/2013 - 15:42h
Rei Tenguh escreveu:
Paulo, eu havia lido o link sobre o projeto de lei, e não vejo nele o que desmereça qualquer de meus argumentos.
Quanto a DE QUEM é o projeto, se foi criado, apresentado ou reapresentado pelo dito cujo,também não faz diferença a seu mérito.
Como sua resposta foi gentil e direcionada a mim, vou me estender um pouco mais, apesar de ter dito que não queria fazê-lo.
Eu não enxergo onde você vê "cura gay" no texto proposto, que não propõe lei nova, mas apenas revoga dois trechos da Resolução 1, sendo que os trechos revogados não incluem qualquer uma das proibições referentes a diagnóstico ou tratamento coercitivos relacionados a sexualidade (em outras palavras, tais proibições serão integralmente mantidas mesmo que o PDL 234/2011 seja aprovado sem alterações).
E faz diferença, sim, saber e, principalmente, propagar um "quem" específico associado a certas ideias. Ligar uma ideia que se quer desmerecer a uma
persona non grata aumenta a "sensação" da notícia, precondiciona algumas mentes e excita alguns preconceitos -- principalmente quando se sabe que a maioria dos leitores ou receptores da notícia sabidamente não irá recorrer às fontes originais para fazer seu próprio juízo a respeito do fato, e muito menos criticar a forma como o fato foi noticiado. Por outro lado, uma celebridade que abrace uma causa, por mais estapafúrdia que seja, costuma atrair atenção e adesões a essa causa.
No caso em questão, parece-me calculado (pela grande imprensa, não somente no tópico que você criou aqui) associar o nome de Feliciano à falsa ideia de lei que proporia (ou imporia) "cura gay": grande parte das pessoas assume, por adesão a um preconceito influente, que Feliciano é anti-gay, "logo" tudo o que vem dele só pode ser anti-gay também. É um raciocínio esdrúxulo do ponto de vista lógico, mas se todo mundo tivesse um raciocínio perfeitamente lógico -- algo que não arrogo nem para mim mesmo -- o trabalho de marketing e de "marqueteiros" não teria tanta aplicação nem demanda. E notícia tem que vender.
Um parênteses importante: eu posso dizer em um determinado contexto que "não se preocupe, a vida é longa" e isso ser uma verdade; em outro contexto posso dizer "cuidado, a vida é curta", e também será uma verdade, em relação ao contexto específico em que foi colocado. Não se pode NUNCA merecer ou desmerecer a veracidade de uma informação tirando essa afirmação do contexto que expressa seus motivos.
Concordo plenamente. E isso me faz reforçar ainda mais os dois últimos parágrafos que escrevi acima.
Então, voltando ao que REALMENTE é importante nessa questão, talvéz eu devesse alterar o título do tópico, pra algo como:
"Volta a idade média: opiniões filosóficas pessoais definindo o que saúde e o que é doença."
Ou:
"Volta ao absolutivo: o estado impondo-se sobre a ciência para decidir a ética médica"
Ou:
"Volta ao absolutismo: opiniões religiosas/filosóficas como gatilho para legislação estatal"
Eliminaria a difamação, mas continuaria sendo um título errôneo, porque o PDL não versa sobre definições de doenças (invalidando o primeiro), não altera aspectos éticos da atuação dos profissionais de Psicologia (invalidando o segundo), e a fundamentação usada para justificar a proposição é estritamente técnica, do ponto de vista do Direito Constitucional, com enfoque para a inconstitucionalidade por usurpação de competência, citando inclusive jurisprudência (invalidando o terceiro).
E note que suas propostas de títulos alternativos embutem também preconceitos. Tudo o que teve origem na Idade Média é ruim? Definições de doenças não embutem juízos de valor de grupos majoritários? É a Ciência absoluta e livre da influência das opiniões dos cientistas? Há absolutismo quando os consgressitas atuam? Não há absolutismo autocrático quando um órgão de classe (em última instância, um órgão do Executivo) usurpa funções constitucionais do Poder Legislativo? Tudo o que é religioso é mau, ou deve ser automaticamente e definitivamente banido do debate social e político?
E na verdade é só isso o que importa. E importa MUITO.
Por isso discordo do Gedimar quanto a ser uma "modinha":
Só isso? Tem certeza? E, mesmo que o seja, pode ser ao preço de ocultar os fatos, substituindo-os com propaganda enganosa e difamatória?
Eu não acredito que os fins justificam os meios, pois isso é papo de "príncipe" despótico, tirano, ditador. Uma causa que se crê virtuosa perde a razão quando oculta, mente e difama.
Desde sempre a sociedade humana trava uma mesma luta: a razão tentando colocar as coisas em termos objetivos (divisão de poderes, ciência, questionamentos, democracia) contra a não-razão tentando justificar a força de maiorias étnicas/sociais contra minorias étnicas/sociais, por meio de opiniões pessoais subjetivas. E por alguma estranha razão os "defensores da moral e dos bons costumes" sempre estão do lado desse "mal", dessa "ordem" a favor da manutenção de um status quo que invariavelmente teve seu início pela imposição de força.
E impor essa força chamando o lado fraco de "doente" já é técnica utilizada pelos maiores representantes desse "mal" desde sempre: o exílio tribal, a inquisição "cristã", os nazistas, o comunismo ditatorial... todos sempre fizeram isso.
Quem diz o que é doença ou não é a ciência médica, e apenas ela. Qualquer coisa além disso é tentativa de um "controle" anti-natural e violento (grotesco, na verdade).
Essa discussão é longa, e provavelmente não vai ser fácil que um lado tenha argumentos que definitivamente convençam o outro.
Mesmo assim, eu gostaria de que você considerasse suas afirmações nos parágrafos anteriores e avaliasse se elas não são temerárias e até perigosas, porque simplistas demais, e também por colocar num mesmo saco, com base em preconceitos, farinhas bem diferentes. Há contraexemplos de algumas das acusações que elas embutem, o que tira delas qualquer veracidade ontológica. Cada caso é um caso.
Depositar também muita confiança nas ciências é um passo muito perigoso. Há meros trinta anos, a comunidade médica não pestanejaria em considerar a homossexualidade como doença; há pouco mais de setenta, um médico português chegou a ganhar o Prêmio Nobel por causa da lobotomia (hoje considerada uma medida extrema, e geralmente inadequada); há cento e cinquenta, prescrevia-se a ingestão de mercúrio líquido para sífilis e outras doenças. A lista de absurdos "cientificamente embasados" é enorme. Até mesmo a condenação de Copérnico e Galileu, ao contrário da crença popular, não era pela adesão da igreja romana às escrituras, que não versa sobre assuntos de Astronomia, mas por sua aferração aos trabalhos científicos de Aristóteles e Ptolomeu, insuspeitos, na origem ao menos, de cristianismo.
As ciências, em geral, e a medicina, em particular, são, elas próprias, objetos de fé. Inegavelmente, uma fé que conta com resultados favoráveis que as tornam não apenas verossímeis, mas úteis (algo parecido pode ser dito por um religioso acerca de sua fé religiosa; talvez a grande diferença das ciências naturais seja a maior facilidade de conduzir e reproduzir experimentos). Essa fé pode ficar no campo da utilidade, ou pode se tornar obsessiva como uma fé religiosa fanática. E como fanáticos religiosos, fanáticos da ciência podem cometer -- e não raramente cometem -- grandes atrocidades em seu nome, achando-se um ilimunado de um futuro brilhante da humanidade.
A comunidade científica tem também suas práticas detestáveis. Se um cientista não estiver de acordo com certa corrente dominante, não é raro que sofra ostracismo ou sanções políticas e econômicas ao seu trabalho, a despeito do valor que ele tenha, e especialmente se vier a desmerecer, com seus resultados, o trabalho de algum medalhão. Vimos isto recentemente, por exemplo, no caso do IPCC e as tentativas de propalar a ridícula ideia de aquecimento global e mudanças climáticas causadas pelo homem, opondo peso político pela quantidade dos signatários de seus relatórios, e impondo a pecha insultuosa de "céticos", a quem, com base em ciência de qualidade, divergia daquelas conclusões.
Pense nisso por sua própria conta, se quiser. Esse debate não tem vencedores, e eu não tenho interesse em levá-lo a diante.